Memórias de infância

Preparar-me para a maternidade tem sido também lembrar-me da minha própria infância. Este texto constitui um preambulo para o registo de algumas memórias que gostaria de registar aqui.
Como salvaguarda da fiabilidade destas evocações, sobre a memória, terei que colocar aqui um excerto de “Os que Sucumbem e os que se Salvam” de Primo Levi que li ontem e que me espantou (como me espanta sempre este fabuloso autor que tem de ser lido com muito tempo para pensar):
"A memória humana é um instrumento maravilhoso mas falível. (…) As recordações que jazem dentro de nós não são gravadas em pedra; não só têm a tendência para se apagarem com os anos, como também é frequente modificarem-se, ou inclusivamente aumentarem (…). Mesmo em condições normais actua uma lenta degradação, um ofuscar dos contornos, um esquecimento, digamos fisiológico, a que poucas lembranças resistem. É provável que se possa reconhecer aqui uma das grandes forças da natureza, aquela mesmo que degrada a ordem em desordem, a juventude em velhice, e apaga a vida na morte. É certo que o exercício (neste caso, a frequente evocação) mantém a recordação viva e fresca, do mesmo modo que se mantem eficiente um músculo que seja exercitado com frequência; mas também é verdade que uma lembrança evocada com demasiada frequência, e que se exprima sob a forma de relato, tem tendência para se fixar numa espécie de estereótipo, numa forma verificada pela experiência, cristalizada, aperfeiçoada, adornada, que se instala no lugar da lembrança em bruto e cresce à sua própria custa”
São assim as minhas memórias, “aperfeiçoadas”, “cristalizadas” por ao longo dos anos serem evocadas, hábito que devo à minha mãe pois passei a minha infância a ouvi-la a contar as suas próprias memórias. O mesmo se passa com os sonhos, com os quais, uma vez verbalizados, ocorre um fenómeno semelhante. Fixámo-los, memorizámo-los e damos-lhe contornos lógicos, cartesianos, uma estrutura que lhes permite permanecer no tempo e recordarmo-los mesmo anos depois.

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