Memórias de infância

Ontem eu e o pai falávamos de educação. E discutíamos se se devem ou não dar palmadas no rabo para educar. O pai acha que sim e eu acho que não. Se bem nos conheço ele nunca te dará uma palmada mas eu sim!
Para defendermos cada um de nós o seu ponto de vista, íamos dando exemplos de actos graves das crianças que poderão requerer a metodologia da força. E eu lembrei-me de uma das mais graves asneiras da minha infância que poderia ter justificado umas valentes e "merecidas" palmadas. Eu tinha 11 anos e havia lá na escola um rapaz chamado Cláudio. O Claudio era um rapaz muito magrinho, ruivo, com os dentes encavalitados, cheio de sardas, o nariz a terminar numa bolinha arrebitada. Era nosso vizinho e pertencia a uma família "esquisita". Os pais vestiam calças à boca de sino, tinha muitos irmãos, todos eles cheios de sardas como os pais. A mãe não tinha sobrancelhas e desenhava um risco arqueado acima dos olhos.
Um dia, a caminho de casa, tive a brilhante ideia de agarrar o Cláudio por um braço, na viela, onde ninguém nos via, e andar com ele roda, rindo-me enquanto ele gritava...
Todas as crianças, mesmo as mais bem comportadas e cheias de amor de mãe como eu, um dia têm um ataque de estupidez...
A mãe do Cláudio, e muito bem, foi falar com a minha mãe. A minha mãe não me bateu. Mas passou-me um valente raspanete com a sua voz zangada. Não posso, porque não consigo, descrever a imensa vergonha que senti pelo que fiz, o imenso pesar por ter desiludido a minha mãe… Palmadas valentes não teriam surtido tão brilhante efeito neste ensinamento sobre o respeito pelos outros e pela diferença… Palmadas valentes teriam gerado revolta e ódio que provavelmente seriam sobre o Cláudio e não sobre os meus actos. Tudo o que eu queria como educadora era ser como foi a minha mãe que, embora me tenha dado palmadas, não foi assim que me educou. E quando um dia me castigou injustamente porque me julgou culpada de uma coisa que eu não tinha feito me soube, do alto dos seus metros, pedir desculpa.
Isto não é uma defesa da condescendência! É a defesa da disciplina e da educação (se possível) sem recurso à violência…

Comentários

Susana Rodrigues disse…
Tens razão. Eu não sou contra as palmadas, mas existem situações concretas em que vale a pena e outras em que o melhor mesmo é o tal raspanete, aquele de apelar à vergonha por termos desiludido alguém. As palmadas, quanto a mim, só servem para cessar um comportamento inadequado que se esta a tornar repetitivo naquele momento concreto. POrque de contrário, castigos e raspanetes funcionam melhor.
E atenção, uma palmada (sacudidela) funciona pela vergonha e não pela dor inflingida...
Major Tom disse…
Faz sentido... engraçado que eu durante anos andei convencido que o terror que eu tinha ao meu pai nalgumas situações se devia a uns tabefes que, percebi mais tarde... nunca aconteceram! Ele há coisas...
Ana disse…
Também defendo a "disciplina e da educação (se possível) sem recurso à violência".

Mas concordo com a Susana quando diz que a palmada tem mais a ver com a vergonha que com a dor.
Nem que seja dada em privado como uma que a minha mãe me deu quando achei por bem fazer birra em público... E lembro tantas vezes esta palmada quando as criancinhas fazem birras em cafés e restaurantes! ;)

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